Os Fantasmas Ainda se Divertem (2024)

 

O Beetlejuice de 1988, dirigido por Tim Burton, deixou uma marca no cinema com sua estética gótica e humor irreverente, apresentando o excêntrico personagem de Michael Keaton. Agora, 36 anos depois, Burton se reúne com os roteiristas Alfred Gough e Miles Millar, que recentemente trabalharam na série Wandinha, da Netflix, para dar vida à aguardada sequência. Keaton retorna ao papel icônico do bio-exorcista, ao lado de Winona Ryder como Lydia Deetz e Catherine O'Hara como Delia Deetz. A nova produção promete expandir o universo sobrenatural com a introdução de novos dramas e personagens, como Astrid, filha de Lydia, interpretada por Jenna Ortega, e Delores, a ex-esposa sugadora de almas de Beetlejuice, vivida por Monica Bellucci. Esta sequência busca preservar o tom peculiar e o humor sombrio do original, ao mesmo tempo que explora novas dinâmicas familiares e atualiza a história para uma nova geração, respeitando a essência que transformou o filme de 1988 em um clássico cult dos anos 80.

Neste novo filme, Lydia Deetz tornou-se uma médium famosa, comandando um programa de TV popular sobre investigações paranormais, no qual seu namorado, Rory (Justin Theroux), atua como produtor. A outrora jovem introvertida agora parece ter se rendido ao mundo capitalista, explorando seus dons mediúnicos para lucrar. No entanto, sua vida é virada de cabeça para baixo quando após uma tragédia familiar, ela, seu namorado, sua filha rebelde, Astrid (Jenna Ortega) e a madrasta Delia (Catherine O'Hara), precisam voltar para a pacata cidade e antiga casa dos Deetz. Além disso, Lydia ainda lida com o luto pela morte de seu ex-marido, que faleceu em uma expedição na Amazônia. Como se não bastasse, a relação conturbada com Astrid, que despreza as habilidades da mãe e duvida da existência dos espíritos, adiciona mais tensão, especialmente porque Lydia nunca conseguiu conectar a filha com o espírito do pai. A tensão aumenta quando Lydia passa a ter visões mais frequentes com o antigo bio-exorcista beetlejuice e quando Astrid descobre a antiga maquete da cidade no sótão. Todos são forçados à convivência, colocando-os em uma rota de colisão com antigos aliados e novos desafios, à medida que o caos sobrenatural cresce ao redor deles e quando um portal para o mundo dos mortos é aberto levando Astrid embora.

O início do filme estabelece uma ligação com o original de maneira esquisita e um tanto desconexa, possivelmente devido ao estranhamento e à desconfiança que uma sequência tardia naturalmente provoca. No entanto, à medida que a trama avança, ela começa a se ajustar e ganhar ritmo, nos reconectando gradualmente com aquele mundo mágico e sombrio que mistura humor com a atmosfera peculiar de um purgatório repleto de burocracia e mortos que ainda insistem em repetir suas bizarrices terrenas. Em vez do casal ingênuo de recém-falecidos que conhecíamos, agora somos apresentados a uma nova turma de personagens que busca seu lugar e uma relativa paz, seja no mundo dos mortos ou como assombrações no dos vivos.

No que diz respeito ao personagem Beetlejuice, que no filme original era um grande demônio ameaçador, sua representação nesta sequência é um pouco diferente. Ele meio que foi promovido ao ambiente burocrático e agora comanda uma agência de exorcistas reversos que oferece serviços de assombração para fantasmas recém-falecidos que desejam expulsar os humanos que habitam suas casas. Em um aceno nostálgico ao filme original, os funcionários da agência incluem personagens como o Bob, aquele com a cabeça encolhida que Beetlejuice encontra na sala de espera no filme de 1988. Essa transformação do personagem e a inclusão de referências ao filme original ajudam a manter o tom peculiar e a continuidade que os fãs esperam, enquanto introduzem novas dinâmicas e situações que enriquecem a narrativa, inclusive dando mais destaque para Bob.

Existem vários arcos em Os Fantasmas Ainda se Divertem que aparecem do nada e caminham para lugar nenhum, uma espécie de desvio de atenção ou para encher linguiça e tornar a trama frenética. Um exemplo disso é o arco de Monica Bellucci, embora sua primeira aparição seja uma das cenas mais memoráveis do filme, ela literalmente se recompõe usando um grampeador. É lindo! É linda também sua forma de tirar a vida (ou seria sobre morte?) daquele que já está morto sugando a alma do coitado até virar um invólucro vazio e espremido enquanto passa o filme todo procurando o marido para quando encontrá-lo, desaparecer do nada da mesma forma que apareceu. Que triste!

Algumas escolhas de enredo também me causam grande desconforto, como a atenção desproporcional dada ao personagem interpretado por Jeffrey Jones, um agressor sexual confesso de menores. Mesmo com a tentativa de suavizar sua presença, inserindo uma sequência em stop motion em uma de suas aparições, achei de extremo mau gosto dedicar tanto tempo a alguém que nem deveria ser lembrado. Ok, o personagem não tem culpa, mas a simples presença indireta de Jones, ainda que através de retratos e pinturas, traz à tona sentimentos perturbadores.

Os Fantasmas Ainda se Divertem torna-se uma produção verdadeiramente divertida a partir da metade, com a mesma estética gótica marcante que fez de Beetlejuice um sucesso. Cenários, maquiagens, efeitos práticos e figurinos exagerados estão impecáveis nesta sequência, graças ao trabalho do diretor de fotografia Harris Zambarloukos. Ele assegura que todas as imagens de Burton se destaquem com propósito artístico, seja no deslumbrante mundo dos vivos ou no irreverente e perturbador mundo dos mortos. Falando no mundo dos mortos, que show é Willem Dafoe neste filme! Interpretando Wolf Jackson, uma estrela de filmes de ação falecida e agora um detetive obsessivamente zeloso do submundo, Dafoe consegue transformar um papel coadjuvante bobamente insignificante em algo memorável. Mesmo sendo um personagem quase irrelevante para a trama, seu talento nato o faz brilhar em cada cena.

Se em 2024 ainda estamos tecendo elogios e comparações ao filme original, é porque de fato um conjunto de elementos fez daquele filme um marco, sem esquecer também da parte musical que neste novo traz de volta Danny Elfman, deixando tudo mais nostálgico e completando a homenagem. Parece que nem se passaram quase quarenta anos, isso se dá graças também às incríveis performances de Keaton, Ryder e O'Hara que não perdem o ritmo e passam a impressão que de fato se divertiram muito filmando a sequência. No fim, o filme nos deixa com a boa impressão de um acerto nostálgico, mas ainda se perguntando qual será o grande momento musical como foi com o inesquecível calipso de Harry Belafonte. Eis que surgem três interpretações de MacArthur Park , uma das quais é cantada, na íntegra, por todo o elenco do filme no grande clímax da noite do filme. Sim, MacArthur Park , considerada enigmática, repleta de imagens surreais e que também foi chamada de a pior música de todos os tempos sendo cantada e interpretada roboticamente pelo elenco arrancando risadas da plateia. 

Apesar de algumas deficiências, como o início desarranjado, a atenção exagerada a personagem que não deveria retornar, a irrelevância do papel de Monica Bellucci e as tentativas aleatórias de inclusão, como o aceno ao Soul Train, Os Fantasmas Ainda se Divertem consegue se destacar. Embora a sequência enfrente desafios, ela se salva ao evitar a mera repetição do original, oferecendo uma mistura de originalidade e nostalgia que resgata o espírito único do primeiro filme. Um filme feito por um diretor que parece ter achado de volta sua essência e conhece a importância de seu legado. Ele consegue criar um equilíbrio entre homenagear o clássico e explorar novas possibilidades dentro do próprio universo e o resultado é uma experiência que, mesmo com seus altos e baixos, deixa uma marca positiva e a certeza de que, ao revisitar essas duas obras, o prazer de assistir uma sequência após a outra será inevitável. Saí da sessão até com gostinho de um novo filme. Disponível nos cinemas a partir de 5 de setembro.



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