Gosto que já na cena de abertura de Longlegs: Vínculo Mortal, Osgood Perkins define o tom de seu mais novo filme: frio, gelado, silencioso, inquietante e arrepiante. A tela é quadrada e estamos dentro de um carro que avança por uma estrada cercada de neve. O veículo para em frente a uma residência, e a câmera guia o olhar do espectador direto para uma janela. Em seguida, já dentro do quarto, uma criança (Lauren Acala) observa a paisagem e nota um carro antigo estacionado ao lado da casa. Movida pela curiosidade, ela decide sair para investigar a presença estranha enquanto um homem misterioso se aproxima. Com o rosto quase totalmente oculto por uma maquiagem incomum, ele fala com uma voz estranha, melodiosa e aguda, como uma mistura entre vocalistas de power e symphonic metal com Tiny Tim. Seu rosto permanece parcialmente escondido, e sua identidade é um mistério. Esse enigma, assim como a maior parte da narrativa do filme, permanece velado durante boa parte da trama, seja para aumentar a tensão atmosférica que Perkins valoriza, seja para criar confusão, até culminar em um final excessivamente didático.
A tela branca neve, íntima e nostálgica do 4:3 cede lugar para a ampla widescreen onde a cor vermelha predomina criando um contraste visual interessante para a apresentação do filme. Após um salto temporal, conhecemos a adulta Lee Harker, agora vivida intensamente pela Maika Monroe. Ela é uma agente do FBI e bem ao estilo Kiyoshi Kurosawa, um grupo de agentes recebe instruções para a busca de um assassino. Ela e seu colega partem para a missão, mas antes de baterem de porta em porta, como aconselhado, Lee tem uma forte intuição e aponta para a casa dando a certeza que lá se encontra quem eles procuram. Seu colega vai em direção a porta, bate e, antes mesmo de se apresentar, toma um tiro bem no meio da testa. Lee, agora sozinha, tem que pensar rápido, entrar para prender o meliante ou esperar por reforço. A suposta habilidade psíquica de Lee chama a atenção do Agente Carter (Blair Underwood) que a convida para resolver um outro caso mais cabuloso que envolve uma série de assassinatos não resolvidos por décadas cometidos por um adorador satânico conhecido por LongLegs (Nicolas Cage).
Tanto Cage quanto o marketing do filme, fez questão de encobrir sua história, sua caracterização e o papel de Cage em segredo. Ele até censurou seu rosto com uma caixa preta para manter sua aparência como Longlegs um mistério até que o público visse pela primeira vez no cinema. Até a própria Maika não sabia o que Cage estava aprontando até ficar cara a cara com ele pela primeira em uma cena de interrogatório. Isso lembra o que aconteceu durante as filmagens de O Fantasma da Ópera (1925), quando Lon Chaney manteve o design de sua maquiagem completamente oculto da atriz Mary Philbin na intenção de garantir uma genuína reação da atriz. Ele consegue deixá-la em choque e a cena demonstra que o medo de Philbin foi verdadeiramente autêntico. A estratégia de esconder Cage deu certo em partes, pois o lançamento atrasado do filme aqui no Brasil, atrelado ao vazamento e a ânsia das redes sociais, tem estragado toda a tentativa e esforço do marketing. Uma pena. Mas, voltemos.
Longlegs não está diretamente envolvido nos assassinatos (alô, Charles Manson), mas é daqueles criminosos que deixa sempre pistas ou cartinhas para os investigadores ao estilo do assassino Zodíaco fazendo questão de mostrar que está um passo à frente deles. O jogo de gato e rato tem início e Carter quer que Harker descubra o significado por trás do envolvimento de Longlegs, fazendo com que ele saia de seu esconderijo, se revelando pela primeira vez e oferecendo um real avanço do caso em décadas. Só que o mistério e a estranheza permanecem, mesmo Harker fazendo progressos consideráveis na investigação. O incômodo e a sensação de que a trama não avança são características marcantes do estilo de Oz Perkins, um diretor com uma abordagem singular ao horror. Ele adota um ritmo próprio e deliberadamente lento, enfatizando tanto a atmosfera quanto um visual estético cuidadosamente elaborado. Esse estilo busca não apenas causar impacto visual, mas também criar um ambiente perturbador, desconfortável e profundamente imersivo, com o tempo narrativo sendo respeitado conforme a história pede para se desenrolar. Seus personagens são construídos de modo que suas personalidades sejam complexas e intrigantes ao lidar a todo instante com conflitos internos e externos. Filmes como A Enviada do Mal (2015) e O Último Capítulo (2016) exemplificam essas características, demonstrando a coerência e habilidade de Perkins em criar experiências cinematográficas imersivas e perturbadoras.
A propósito de toda essa atmosfera criminal, não é atoa que identifiquemos de cara as referências a Jonathan Demme com seu Silêncio dos Inocentes (1991) e a David Fincher com Seven (1995) e Zodíaco (2007), essa mistura de horror, com o thriller e o policial só um gênero fluido e plural como o Terror para nos oferecer essas possibilidades. A estrutura básica pode até lembrar Demme, mas é na combinação de investigação policial com o sobrenatural que Longlegs mais se identifica com Coração Satânico (1987), especialmente em seus temas de ocultismo, mistério e atmosfera sombria. Ambos os filmes exploram protagonistas em busca da verdade, mergulhando em um mundo de segredos, crimes e forças sobrenaturais enquanto a narrativa de ambos se desenrola lentamente em torno de personagens centrais enigmáticos, como o antagonista interpretado por Robert De Niro em e o Longlegs misterioso de Nicolas Cage. Entretanto, o final do filme de Alan Parker me ganha mais pela forma surpreendente, sombria e fatalista que termina. É uma pena que Perkins não soube explorar a entrega inquietante da performance e caracterização de Cage.
Por fim, o que mais me incomodou em Longlegs foi o desfecho enfraquecido. Oz Perkins vinha construindo ao longo da narrativa algo próximo de um horror sugestionado, mas a resolução decepcionante e o excesso de explicações torna o final desconexo. Embora eu aprecie a inserção dos simbolismos místicos e espirituais que foram sendo jogados conforme a história avançava, a transição abrupta de uma sugestão sutil para algo excessivamente expositivo diluiu o impacto de uma narrativa que estava girando em torno de uma tensão permeada por cada cena e pelo que não era mostrado dela, pois sabemos que em filmes de terror que enfatizam mais a atmosfera, o que não é dito e mostrado podem funcionar muito bem a favor dessa trama. A repetição de "Hail Satã", em vez de intensificar o horror, acabou por se tornar enfadonha, resultando em um final sem força e sem efeito marcante. Essa é uma das razões que não compro nem vendo Longlegs como sendo o horror do ano.
O filme teve estreia antecipada aqui no Brasil e entra nos cinemas a partir de 28 de agosto.
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Acho que você traduziu meus sentimentos de forma esplêndida. No começo eu achei que ia gostar muito e no fim foi decepcionante. Mas ótima resenha!
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