Será que os chimpanzés da saga Planeta dos Macacos são os símios mais adorados do cinema? Para alguns, talvez sim. Para outros, a saturação de filmes com macacos falantes já é demais. Porém, é inegável que, apesar dos reboots e das desconfianças, a franquia tem conquistado mais fãs a cada reinicialização. Os filmes tornam-se cada vez mais consistentes e honram não apenas o legado de Caesar, o líder revolucionário, mas também de Matt Reeves, o diretor que ousou reinventar os macacos em duas produções que cativaram tanto o público quanto a crítica. Algo que talvez não fosse alcançado desde o clássico de 1968.
Preparando a cama em Planeta dos Macacos: O Confronto para o que vimos em Planeta dos Macacos: A Guerra e agora em Planeta dos Macacos: O Reinado, quando a supremacia humana finalmente entra em colapso e sucumbe dando lugar para primatas super inteligentes, o filme de Wess Ball se destaca por conseguir seguir o futuro de forma independente, mas sem perder o pézinho nos anteriores. Talvez fosse essa a parte mais difícil para o novo nome que fosse assumir a nova trilogia da franquia que, felizmente e com ressalvas, não decepciona.
Comparações são inevitáveis e aí acabo pensando em quanto os primeiros macacos lá de Rod Serling eram tagarelas, os de hoje quase não falam. É uma decisão que acaba me incomodando um pouco, porque acaba perdendo um certo charme daquele cinema de época, até quando o humano Charlton Heston vivia para cima para baixo usando uma tanguinha ao lado dos símios, completamente vestidos Roddy McDowall e Kim Hunter. A seriedade da franquia tomou conta, mas ainda assim não deixa de ter seu charme e seus atrativos, a começar pela velha discussão sobre como o poder entra e corrompe até os seres supostamente incorruptíveis e que sofriam subjugamentos e opressões na mão dos humanos. Mas, confesso, sentir falta de uma certa ousadia daquele filme e daquela época onde quebra de paradigmas parecem não voltar mais, como o famoso beijo apaixonado entre um humano e uma primata.
Gerações depois do final de Guerra com a morte de Caesar assim que chega na dita terra prometida, O Reinado inicia já com um breve prólogo contextualizando os espectadores sobre os últimos acontecimentos. Os macacos já estão estabelecidos em um planeta reconfigurado onde o que era área urbana agora dá lugar a imensos acumulados de matos, árvores e até formações cavernosas. Aqui, os seres humanos foram praticamente extintos pelo resultado do vírus que regride a inteligência humana transformando-os em seres primatas.
Agora, a trama se concentra em Noa (Owen Teague), um jovem chimpanzé habilidoso na arte da caça aos ovos de águia, pertencente a um grupo isolado conhecido como Clã Águia. Nesta comunidade, estabelecer laços com essas majestosas aves é mais do que uma habilidade, é um processo essencial no amadurecimento dos jovens. Em cada interação, transparece um profundo respeito, inclusive quando se aventuram para capturar os ovos, sempre aderindo à lei de deixar pelo menos um ovo no ninho.
Noa enfrenta não apenas a pressão de seu pai, Koro (Neil Sandilands), uma figura reverenciada como mestre dos pássaros e líder do clã, mas também o desafio de obter o ovo que o conduzirá à cerimônia de união, um rito de passagem anual da tribo. Na véspera desse evento sagrado, a aldeia de Noa é brutalmente atacada por um grupo de macacos selvagens e violentos, que, além de causar mortes e destruição, sequestram os sobreviventes em nome de Caesar. Noa consegue escapar e é consumido pelo desejo de vingança, embarcando numa jornada que o levará a ultrapassar as fronteiras antes proibidas pelos mais velhos de seu clã e pelo mundo desconhecido. Agora, tudo o que ele possui são seu cavalo e a águia de seu pai, que ainda não se rendeu às suas ordens.
Todavia, no cenário atual de O Reinado, a figura de Caesar não é senão um eco distante de um passado marcado pelo domínio de ideais como luta, igualdade, liberdade e justiça. Ao longo dos séculos, a civilização símia se revelou tão suscetível às distorções do tempo e da vaidade quanto aquelas que a precederam. Embora ausente fisicamente, Caesar assumiu um papel messiânico e central neste contexto, ainda que sua memória tenha sido distorcida pelo grupo violento que devastou a aldeia de Noa. O líder deste grupo se autoproclama como um novo Caesar, imitando seus discursos e comportamentos, exigindo de seus seguidores escravizados total devoção e respeito. Até mesmo o raro humano que lá habita cedeu a uma obediência cega em troca de privilégios e sobrevivência.
"O 'novo' Caesar busca não apenas o conhecimento deixado pelos humanos do passado, mas também todo o arsenal tecnológico que o tornará o ser mais poderoso da terra, visando não só perpetuar o reinado dos macacos, mas, sobretudo, o seu próprio. Mesmo que isso implique em sacrificar semelhantes escravizados dia após dia, na tentativa de abrir um imenso cofre de aço em uma ruína de navio.
"Você conhece o conceito de evolução? Em sua época, os humanos eram capazes de muitas coisas grandiosas. Eles poderiam voar, como as águias voam. Eles poderiam falar através dos oceanos. Mas agora é a nossa hora... e é o meu reino. Nós aprenderemos. Os macacos aprenderão. Eu vou aprender. E eu... vou conquistar" - Proximus Caesar
Contudo, embora a narrativa coloque o antigo líder no centro da trama, este não é o enredo principal. A jornada de Noa se desenrola ao lado de Raka (Peter Macron), um orangotango de grande coração e fiel seguidor do legado de Caesar, e de Nova (Freya Allan), uma humana selvagem e muda que rapidamente evoca memórias nos mais fervorosos fãs da franquia. O grupo, agora composto por três solitários de distintos propósitos, unem forças para alcançar o clã rival de Proximus (Kevin Durand) e porem em prática seus planos.
Até este ponto, o progresso da trama é notável. Os silêncios, a construção de mundo, de personagens, de uma nova mitologia e herança não deixa nada a desejar em relação ao que foi estabelecido pela trilogia anterior. Tudo é feito com grande respeito, especialmente em relação ao conceito estabelecido no filme original de 1968, onde os macacos, já organizados socialmente, caçam humanos por esporte, prazer ou sadismo e fazem experiências científicas com eles. A abordagem das distorções de ideias e como o tempo pode transformar seres e conceitos relevantes em irrelevantes é muito bem executada e explorada. No entanto, indo além das discussões óbvias sobre males como racismo, guerras, destruição e subjugação, O Reinado apresenta ao final um novo/antigo dilema e gancho: será possível que macacos e humanos coexistam e compartilhem o mesmo espaço-tempo de forma pacífica?
Essa concepção, com uma atmosfera de repetição, me deixou bem desanimada. O ritmo dinâmico, repleto de diálogos cativantes e cenas de ação instigantes, parece perder sua força quando, ao final, essa questão é levantada. No entanto, O Reinado ainda consegue manter seu poder provocativo ao explorar o que os macacos se tornaram distantes dos humanos e as possíveis consequências disso. Assim, fica o gancho para o próximo filme.
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