A Praga (1980/2023, José Mojica Marins)


 “Você é supersticioso? Acredita no sobrenatural? Ou costuma ser desses que gosta de brincar e desafiar o desconhecido?” Se você se identificou com a última indagação, esse filme é para você, incauto!” – José Mojica Marins

Pioneiro, ousado, inovador e autêntico, Mojica deixou um enorme legado não só para o cinema de gênero com seu icônico personagem Zé do Caixão, mas também para o cinema em geral com sua linguagem única e que vai a fundo o que representa ser e viver num Brasil de folclore, lendas e superstições próprias. 

A Praga, filme considerado perdido de Mojica, toca nesses assuntos com bastante gore, sensualidade e mortes, temas os quais já presentes nos trabalho do diretor, mas, antes do filme acontecer, um mini documentário de 17 minutos intitulado de A Última Praga de Mojica, conta como foi a trajetória do média metragem, desde ser considerado perdido num incêndio, passando pelas tentativas de refazê-lo em 1980, depois em 2007, até chegar de fato às telonas em 2023, e foi graças a Eugenio Puppo, da Heco Produções e mais um monte de gente envolvida que estamos tendo a oportunidade de vivenciar essa historia que mistura body e folk horror no melhor estilo José Mojica, ou como ele mesmo diz: um cinema autêntico tupiniquim.

Pode-se dizer que foi uma verdadeira saga para a gente ver A Praga, filme com roteiro de Rubens Francisco Lucchetti junto com Mojica e que se tentou ir ao ar desde a década de 60 dentro do programa “Além, Muito Além do Além” da TV Bandeirantes e seria o décimo terceiro episódio a ir ao ar, só que antes disso um incêndio destruiu não só os rolos prontos, como parte dos estúdios e acervo da emissora de tv. 

Em 1980 Mojica tentou rodar novamente aproveitando o roteiro e conseguiu filmar em super-8, mas tiveram que arquivar o projeto por falta de recursos para finalizá-lo. Perdidos ou deixados e esquecidos num saco preto de lixo, os rolos foram achados em 2007, enquanto Mojica e seu produtor Puppo, preparavam uma retrospectiva de sua obra e aí decidiram finalizar a obra. Puppo, Mojica e uma equipe apaixonada e fazedora do cinema de guerrilha, filmaram cenas adicionais com Zé do Caixão junto com duas “demonhas” ao seu lado, apresentando a obra. Colocaram novos efeitos visuais com supervisão do mestre Kapel Furman que também editou e supervisionou o processo de pós. Teve também a parte da voz e dublagem e foi a que me deixou mais impressionada de todo o intento de fazer acontecer A Praga. As gravações originais das vozes nunca foram encontradas, então era preciso fazer uma nova dublagem, só que também não havia registro escrito das falas, a não ser o que se tinha da história que foi quadrinizada pelo próprio Lucchetti na edição 2 da revista “O Estranho Mundo do Zé do Caixão". Foi então que o realizador, o produtor e mais uma equipe guerreira e apaixonada, contrataram uma pessoa com deficiência auditiva para fazer leitura labial enquanto alguém transcrevia tudo. Só depois de tudo isso, os novos atores contratados puderam fazer a redublagem. O doc é dirigido por Cédric Fanti, Eugenio Puppo, Matheus Sunfeld e Pedro Junqueira que além de enfatizar toda a dificuldade de se fazer cinema aqui no Brasil, mostra também o imenso abismo sobre algo mais pavoroso, a preservação de nosso audiovisual, que esbarra não só nas dificuldades de infraestrutura, mas também no desinteresse e na falta de políticas públicas. 

Conhecida a saga d’A Praga, entramos de fato no filme, com Mojica encarnando seu icônico personagem, o Zé do Caixão que, como um mestre de cerimônias e sem abandonar todo seu trejeito, resume sua participação no filme a apresentar a trama e fazer comentários no decorrer dele. Incauto ou não, a jornada do casal Marina (Silvia Gless) e Juvenal (Felipe Von Rhein), vai te deixar de cabelo em pé!

Eles são jovens, tem bastante disposição e apetite sexual. Num dia, eles decidem dar um passeio e bater uns retratos num ambiente rural, é quando avistam uma casa afastada onde mora uma senhorinha. Juvenal e Marina recebem o aviso de um local para não se aproximar da casa, pois ali, segundo ele, mora uma velha bruxa (Wanda Kosmo) que não gosta que chegue gente por lá. Claro que como todo jovem incauto, Juvenal não liga para o que fala o habitante e ainda tira sarro dele e da superstição local. Ele e Marina então se aproximam não só da casa, mas também da velha que está em seu quintal mexendo em suas plantas. Ela pede para que os dois se afastem e pare com as fotos, mas Juvenal debocha do pedido. A velha, que demonstra irritação, joga uma praga daquelas no rapaz e dai em diante a vida de Juvenal e Marina se transforma num verdadeiro inferno na Terra. O moço passa a ter constantes pesadelos, alucinações mesmo estando acordado e feridas começam a se abrir em seu corpo. Além disso, por conta das chagas, ele passa a consumir uma enorme quantidade de carne crua, pois só isso lhe dar saciedade. Marina é uma companheira perseverante e tenta a todo custo salvar seu amado, desde buscando ajuda na ciência o levando a médicos, até indo pedir ajuda do sobrenatural em terreiros de candomblé. Mas maldição de Bruxa é maldição de Bruxa e ela reforça o aviso de que Juvenal não se livrará dela nem da praga. Bom...o resto é história. 

Se você for pensar que a ideia dessa média metragem circula a mente tanto de Lucchetti como a de Mojica ainda lá nos 60, dá pra perceber o quanto essas mentes eram transgressoras. Assistindo hoje ao filme, depois de ter passado por tudo que passou, Mojica e sua forma se alinha a alguns outros ícones do gênero que costumamos venerar, como o horror corporal de David Cronenberg ou a história de bruxa vingativa de Sam Raimi em Arraste-me Para o Inferno (2009). É muito emocionante perceber que mesmo depois de morto, sua obra permanece corajosa e ainda mexe com temas tabus, mesmo em 2023 como religião, sexualidade e morte.

Foi muito bom ver A Praga no cinema e recomendo para quem puder fazer o mesmo, é uma experiência emocionante ver aquilo acontecer numa telona, os depoimentos, os esforços e toda a paixão de quem faz cinema de gênero aqui no Brasil. 








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