A Hora do Mal (2025)

A premissa é instigante. Todas as crianças de uma mesma sala de aula somem na mesma noite, no mesmo horário. Menos uma. O tipo de evento inexplicável que cola feito tatuagem no imaginário coletivo de uma cidade pequena. E é justamente esse efeito dominó que move o filme. A Hora do Mal é tanto sobre o que aconteceu, pergunta que nos persegue do início ao fim, quanto sobre o que isso revela sobre as pessoas que ficaram. O mistério nos fisga, mas é a resposta emocional e social ao trauma que realmente dá corpo ao horror.

A melhor escolha que fiz foi assistir sem saber de absolutamente nada, além do fato de ser do mesmo diretor de Noites Brutais, um filme que já havia me surpreendido. Zach Cregger tem algo de provocador em sua forma de contar histórias. Seu texto carrega humor seco, quase cínico, e uma percepção afiada sobre como o medo contamina a vida em comunidade. Aqui, a estrutura em capítulos, que foca em diferentes personagens e pontos de vista, serve tanto como força quanto como obstáculo. Por vezes, o ritmo escorrega. O meio do filme se alonga, parece embaralhado, e há momentos em que o interesse vacila. Mas esse desvio de caminho também é um convite para uma experiência de estranhamento, de viver aquele mundo suspenso junto dos personagens.

A professora Justine Gandy (Julia Garner) é uma das figuras centrais. Não demora para que os pais dos alunos desaparecidos comecem a culpá-la. É um jogo cruel e tristemente comum transformar a ausência de respostas em caça às bruxas. A cidade quer um culpado e Justine é a mais próxima que conseguem encontrar. O desconforto com sua presença cresce não só pela tragédia em si, mas por tudo o que ela representa. Juventude, independência, e principalmente o fato de não ter uma explicação pronta.

Já Alex (Cary Christopher), a única criança a ser poupada, também acaba sofrendo as consequências do mistério. Seu silêncio, sua sobrevivência, viram suspeita. E dentro de casa, ele convive com uma figura enigmática e desconcertante. Gladys Lilly, interpretada por Amy Madigan, é sua tia. Uma idosa excêntrica que transita entre o frágil e o ameaçador. Com suas perucas e maquiagens pesadas, ela é presença incômoda, mas cuidadosamente construída nos detalhes, nos olhares, nos gestos e nas pistas que o roteiro semeia ao longo da trama. Mesmo quando pouco aparece, ela nunca sai do quadro.

Outros personagens orbitam esse enigma e são essenciais para a construção dessa cidade doente. Archer Graff (Josh Brolin), pai de uma das crianças desaparecidas, parte para uma investigação própria, tentando desesperadamente dar algum sentido ao que aconteceu. Paul Morgan (Alden Ehrenreich), um policial local, vive um relacionamento complicado com Justine, o que adiciona uma camada emocional às suspeitas e ao conflito ético. Há também Anthony (Austin Abrams), viciado em drogas e ladrão ocasional, figura que parece deslocada, mas que acaba sendo mais relevante do que aparenta. O diretor da escola, Andrew Marcus (Benedict Wong), é outra peça nesse quebra-cabeça, movido por um senso de responsabilidade que beira o desespero.

A estética do filme reforça essa sensação de mundo à deriva. As casas parecem sempre à beira do colapso. O tempo parece suspenso. As pessoas andam como se estivessem anestesiadas. Há algo de Stephen King nesse ambiente. A cidade pequena em que todo mundo se conhece, mas ninguém confia em ninguém. Crianças em perigo. Professores vistos com desconfiança. O peso do alcoolismo. A memória de traumas passados. São elementos que evocam o autor, e não à toa. O próprio Cregger mencionou O Iluminado como referência direta. Inclusive, a hora do desaparecimento das crianças coincide com o número do quarto mais famoso do Overlook Hotel.

Mas Cregger não busca o sobrenatural clássico. O que assusta em A Hora do Mal não são monstros ou espíritos. É o próprio tecido social se rasgando. É o medo se travestindo de moral. É o desespero por respostas virando justiçamento. A histeria coletiva que toma conta da cidade lembra Halloween Ends, com seu retrato de como um acontecimento trágico pode adoecer toda uma comunidade. E aqui, assim como no filme de David Gordon Green, o foco se desloca do evento em si para as rachaduras que ele abre em quem ficou.

Há algo profundamente desconfortável em assistir ao desenrolar dessa história. E não apenas pelas revelações do roteiro, mas pela forma como somos levados a participar da desconfiança. O filme quer que a gente julgue, duvide, desconfie. Quer que a gente caia nas armadilhas, que tire conclusões precipitadas, que sofra junto com a cidade. E quando finalmente nos mostra o que de fato aconteceu, o faz com uma precisão impressionante. O final é de cair o queixo. Não por grandiosidade ou pirotecnia, mas por como amarra tudo que parecia solto com uma inteligência rara. Dá vontade de rever o filme inteiro só para captar o que antes passou batido.

A Hora do Mal não é um filme redondo. Tem tropeços, escorregões de ritmo, e uma ousadia narrativa que pode afastar quem espera uma experiência mais convencional. Mas é exatamente esse risco que o torna tão interessante. Zach Cregger mostra que sabe onde quer chegar, mesmo que o caminho até lá seja sinuoso. Ele se mostra um diretor seguro, mesmo quando brinca com o caos. E nos entrega, no fim, um dos desfechos mais memoráveis do horror recente.

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