Bailarina (2025)

Bailarina é o primeiro spin-off do universo John Wick, e se você, assim como eu não estava dando muita coisa para o filme, dê, viu?! Pois ele chega com o dedo firme no gatilho e o pé cravado no acelerador. A história se passa entre os capítulos 3 e 4 da franquia principal, ou seja, em um momento de transição, quando John está sendo caçado por todos os lados e o mundo dos assassinos parece prestes a colapsar. Nesse espaço entre crises, surge Eve Macarro, interpretada por Ana de Armas, que entrega aqui sua performance mais física até hoje e talvez a mais carregada emocionalmente também.

A trama não foge da estrutura clássica: Eve sobrevive a um massacre e cresce obcecada por vingança após o assassinato do pai. Mas se o esqueleto é familiar, o filme encontra maneiras de injetar alma nesse corpo conhecido. Sua historia é menos sobre quebra de regras, códigos de conduta e mais sobre traumas mal curados, sobre buscar não só quem matou seu pai, mas entender por que a violência parece ser a única linguagem que resta. A vingança, aqui, ganha contornos mais íntimos, quase ritualísticos, como se a protagonista dançasse com a própria dor enquanto empunha armas.

Ana de Armas se encaixa com naturalidade nesse universo de sangue e silêncios. Depois de chamar em 007 - Sem Tempo Para Morrer (2021), ela mostra que pode carregar um filme inteiro de combate físico com leveza e brutalidade. Sua Eve é rápida, feroz, mas também marcada por hesitações humanas que tornam a personagem mais crível. Ela não é só uma máquina de matar, e o filme sabe explorar isso, principalmente nas pausas entre os confrontos, onde o olhar dela diz mais do que mil balas.

Dirigido por Len Wiseman, que já comandou filmes como Anjos da Noite e Duro de Matar 4.0, Bailarina tem o mesmo gosto visual da franquia principal, com aquela estética neo-noir carregada de neon, sombra e chuva. No entanto, Wiseman soube fazer seu caminho, trouxe um ritmo mais compassado, com sequências que valorizam o corpo em movimento, como se cada luta fosse um espetáculo de dança contemporânea com armas brancas, pistolas e, claro, fogo.

Falando nisso, é impossível não destacar uma das sequências mais memoráveis do filme, já perto do final, um duelo entre Eve e um dos antagonistas, ambos armados com lança-chamas. A cena é absurda no melhor sentido possível e eleva a coreografia a um nível quase surreal., lembrei muito da batalha de motosserras no filme Mandy (2018). Há algo de teatral na forma como os corpos se movimentam, como o fogo risca o cenário e os golpes se entrelaçam. Mesmo nesse exagero visual, o momento não perde o peso emocional, porque Eve está lutando por algo que importa. Não é só um espetáculo, é catarse.

O elenco de apoio sustenta bem esse novo ramal do universo Wick. Anjelica Huston retorna como a enigmática Diretora, reforçando as conexões com Parabellum. Norman Reedus entra com seu habitual ar taciturno, enquanto Catalina Sandino Moreno e Gabriel Byrne ajudam a enriquecer o drama ao redor da ação. Keanu Reeves aparece como John Wick, mas não como protagonista, e sim como uma sombra, uma espécie de lembrete de que esse universo ainda gira em torno do homem que começou tudo com um cachorro e um carro roubado. E vale mencionar Lance Reddick, que também está no elenco reprisando seu papel como Charon, o fiel concierge do Hotel Continental. Reddick foi uma presença marcante em toda a franquia, mesmo aparecendo em momentos bem pontuais, ele trouxe dignidade e precisão quase cerimonial ao seu personagem. O ator faleceu em 17 de março de 2023, pouco depois do fim das filmagens de Bailarina e uma semana antes da estreia de John Wick: Capítulo 4. Sua aparição aqui, mesmo que breve, carrega um peso especial, uma despedida silenciosa e elegante, à altura do legado que ele deixou na série.

Bailarina não reinventa a roda, mas também não precisa. Ele amplia o mapa, dá profundidade a um canto antes inexplorado e apresenta uma nova personagem que, se houver justiça (e bilheteria), tem fôlego para continuar. Ele entende bem o espírito do universo em que está inserido: ação coreografada, ambientes exagerados e estilizados, além de uma mitologia que mistura tragédia grega com videogame de luxo. Só que agora, quem dança é outra pessoa.



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