MaXXXine (2024)

Pudico, morno, contraditório, puritano, moralista e confuso. Esses são só alguns dos adjetivos que cabem a MaXXXine, o fechamento super esperado, porém anticlimático da trilogia de Ti West. 

Depois de passar pela década de 70 em X e ir para o passado em Pearl, agora Ti West traz um filme ambientado dessa vez nos anos 80 seis anos após os acontecimentos em X, quando Maxine Minx vira uma assassina por acaso para defender seu sonho de se tornar estrela de cinema. Na década de 80, a indústria cinematográfica de Hollywood foi marcada por várias mudanças e tendências significativas que moldaram o cinema como o conhecemos hoje. Do fenômeno dos blockbusters a popularização das fitas VHS, o mercado caseiro criou uma nova fonte de receita para os estúdios e uma nova forma dos espectadores consumirem cinema. Muitos filmes nessa década refletiram as tensões sociais e políticas da época, incluindo a Guerra Fria, a crise da AIDS, a ascensão do puritanismo, do moralismo e as questões de raça e gênero. Filmes como Platoon (1986) de Oliver Stone e Do the Right Thing (1989) de Spike Lee abordaram essas questões de maneira direta e poderosa. 

O Horror em Hollywood também não ficou para trás, foi uma era prolífica, influente e marcada não só pela explosão de novas franquias que estabeleceram muitos dos tropos e convenções do slasher, mas também pela inovação em efeitos especiais práticos, os quais foram fundamentais para criar cenas de violência gráfica e criaturas aterrorizantes. Nomes como de Tom Savini e Stan Winston tornaram-se reconhecidos na indústria e, mesmo tendo orçamentos relativamente baixos, os filmes de terror geralmente conseguiam boas bilheterias por saber dialogar com as várias ansiedades sociais e políticas da época, como o medo do desconhecido e a desconfiança em relação à tecnologia. A exploração de temas como a perda da inocência e o confronto com a mortalidade eram bem comuns também no gênero horror que, frequentemente, serviam como um espelho das preocupações da sociedade, utilizando monstros e assassinos como metáforas para medos mais profundos.

Os anos são os 80, mas parece que estamos falando dos dias atuais, né? Enfim, é nesse contexto que MaXXXine se constrói. A protagonista, que volta a ser interpretada por Mia Goth, já é uma estrela pornô estabelecida e aspirante a atriz. Ela consegue sua primeira chance de estrelar um filme, logo um filme de terror B e vai fazer o teste. Ela é um sucesso, é aceita no elenco e esse pode ser o início da carreira que tanto Maxine desejou, só que no seu caminho tem alguns percalços, como um assassino a solta, um facínora vivido por Kevin Bacon, excelente no papel a propósito e os detetives de polícia Williams (Michelle Monaghan) e Torres (Bobby Cannavale). Todos ameaçam revelar não só seu passado sinistro, mas também destruir sua iniciante carreira de superstar.

MaXXXine tinha tudo para ser incrível, mas acabou se revelando uma decepção, pelo menos para mim. O que Ti West e Mia Goth construíram com os dois primeiros filmes da trilogia, a conexão das personagens e o profundo background de Pearl, foi excepcional. No entanto, tudo isso pareceu desaparecer neste terceiro, resultando em uma narrativa desconexa. Embora tenha bons momentos e referências, algo que o diretor sabe fazer muito bem, no conjunto, essas referências parecem jogadas e perdidas.

Talvez a produção separada dos dois primeiros filmes tenha contribuído para essa falta de coesão. Até Maxine, a protagonista, parece perdida, ofuscada por personagens secundários que são tão ou até mais interessantes do que ela. Exemplos disso incluem Kevin Bacon, que foi removido do filme em uma decisão questionável, o funcionário da locadora, que morre como uma punição compreensível pela ação da amiga Maxine, e o advogado canastrão das celebridades, interpretado brilhantemente por Giancarlo Esposito, que, mesmo com tempo mínimo em tela, se mostra mais cativante que a protagonista. Até os detetives interpretados por Bobby Cannavale e Michelle Monaghan, que estão investigando os casos de assassinatos e desempenham o papel de policiais competentes com toques de alívio cômico, são mais interessantes. Só que também deslizam e levam a narrativa para um território dramático, insistindo que Maxine pode tomar a decisão certa e salvar vidas. Já a grande revelação, ou o que deveria ser, perde o impacto, pois se X ainda estiver fresco em sua mente, vai perceber que é um personagem que não incorpora peso à história, além de uma representação do pânico satânico.

De forma alguma estou desmerecendo a jornada de Maxine, mas justamente por causa dessa trajetória, ela merecia mais atenção, mais impacto e um final que fizesse jus à sua história. Nem mesmo o "whodunnit" do assassino com luvas pretas, em uma homenagem aos Gialli de Mario Bava e Dario Argento, consegue tornar a trama empolgante. Até o uso de split screen, ou tela dividida,  recurso muito utilizado por Brian de Palma e que particularmente acho super estiloso, não consegue salvar a reunião de referências jogadas de Ti West. Aprecio o esforço e, não nego, o filme me arrancou boas risadas, mas continuo dando de ombros quando tento gostar do todo. Aprecio também o subtexto que a diretora do filme de terror em que Maxine vai atuar solta em determinado momento, quando ela diz que está fazendo um filme B com ideias de filmes A. Era uma época em que a indústria, principalmente a de gênero, era dominada por homens e levantar essa questão na trama é algo importante.

Entretanto, mais uma vez repito, ficou sendo mais uma ideia jogada no que parece mais um “se colar, colou” e uma oportunidade perdida para aquela que se revelou uma das estrelas mais brilhantes do horror atual. Se Maxine gosta de repetir para si a todo momento “não aceito uma vida que não mereço” porque nós, enquanto espectadores, temos que aceitar um filme que não merecemos? 

Agora eu vou fazer um ADENDO, na verdade um comentário que eu tinha anotado para desenvolver aqui e acabei esquecendo, não quero deixar passar. É sobre a relação de semelhança entre Maxine Minx e Ganja Meda, do filme Ganja & Hess de 1973. Tinha percebido características semelhantes entre as duas, mesmo em meio a esse turbilhão de ideias jogadas que é o filme de Ti West. Vamos lá...

Maxine de MaXXXine e Ganja de Ganja & Hess compartilham algumas características notáveis que admiro em personagens femininas em filmes de terror. Mesmo elas sendo de universos diferentes e terem contextos distintos, ambas são figuras fortes e independentes. Maxine é uma mulher ambiciosa e determinada que busca alcançar o sucesso e a fama, enfrentando obstáculos com coragem e resiliência. Da mesma forma, Ganja demonstra uma personalidade forte e independente, lidando com situações difíceis e desconhecidas de maneira decidida. As duas personagens passam por transformações significativas ao longo de suas jornadas. Maxine enfrenta traumas e desafios que moldam sua personalidade e a transformam, especialmente no contexto da indústria do entretenimento dos anos 1980. Ganja, por sua vez, se envolve com Hess e sua condição vampírica, adaptando-se a uma nova realidade e poder, demonstrando que as duas apresentam essa profundidade emocional complexa. Além disso, enfrentam a luta pela sobrevivência e pelo poder, no caso de Maxine, em um ambiente que frequentemente marginaliza e explora jovens atrizes. Já Ganja, ao se transformar em vampira, simboliza uma luta por poder e controle em um mundo que muitas vezes a oprime e a marginaliza. Ambas não aceitam que homens lhes digam ou determinem seus destinos e, para isso, enfrentam desafios que as testam e moldam suas identidades. Ainda assim, uma pena que Ti West tenha transformado MaXXXine em uma patacoada, ao contrário da obra-prima que é Ganja & Hess.

Visto em cabine à convite da Universal Pictures e Espaço Z assessoria em Recife. O filme estreia nos cinemas nesta quinta, dia 11 de julho.




Comentários

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  1. "Todos ameaçam revelar não só seu passado sinistro, mas também destruir sua iniciante carreira de superstar." E pra mim teria sido excelente se focasse nisso. Mas foram tantos desvios, a presença de dois serial killers pra tentar (sem sucesso) causar dúvida de quem estava matando quem, o amigo dela criado só pra sustentar a narrativa da morte de alguém com quem ela se importasse, as decisões bobas que não condizem com a personagem (na perseguição da cidade cenográfica e na visita à casa da montanha)... Nossa, tantas coisas pra no final vir com aquele "1 mês depois" que podia ter sido desenvolvido ao longo do filme inteiro... Quero um remake!!!

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