O cinema de terror australiano tem uma estranha habilidade de transformar o invisível em presença sufocante. Filmes como Lake Mungo (2008), por exemplo, provaram isso ao lidar com o luto de forma quase documental, arrancando o medo não de monstros externos, mas do abismo interno que se abre quando alguém querido se vai. Há sempre um peso de ausência, uma solidão que se estende pelas paisagens e pelas casas isoladas. É nesse terreno que Danny e Michael Philippou fincam os pés novamente com Bring Her Back (2025), ou Faça Ela Voltar, título nacional e, o resultado é um filme mais maduro, mais impiedoso e, sobretudo, mais doloroso do que Fale Comigo (2022).
A trama aqui parece simples: dois meio-irmãos ficam órfãos e vão morar com uma nova mãe adotiva, vivida por Sally Hawkins, em uma casa afastada. Ali, em vez de segurança, eles encontram um ritual oculto, uma espiral de horror que consome tanto as crianças quanto quem assiste. Mas, o que diferencia Faça Ela Voltar de outros terrores sobrenaturais é a forma como a história não se contenta em ser apenas sobre espíritos ou maldições. O luto, a perda insuportável da filha, a distorção monstruosa da maternidade são temas que atravessam a obra de uma forma até desesperada, sendo Hawkins a peça central dessa perversão. Sua presença é ao mesmo tempo terna e abominável, um afeto que vira ritual, uma promessa de cuidado que se converte em sacrifício. É um retrato da maternidade despedaçada, de uma mulher que, incapaz de lidar com a ausência, recorre ao incompreensível. Como apontaria Barbara Creed em sua leitura sobre o “monstruoso-feminino”, o horror aqui não está apenas nos símbolos ocultos, mas na transformação do que deveria ser fonte de proteção em figura abjeta, devorada pela própria dor. O filme encena a maternidade não como um refúgio, mas como um pesadelo em que a perda transfigura amor em monstruosidade.
Os irmãos Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong), como as crianças, oferecem um contraponto frágil, quase transparente, cuja vulnerabilidade é esmagada pela narrativa. Piper, cega, traz uma dimensão ainda mais dolorosa: sua percepção depende do que ouve e sente, e isso torna cada silêncio e cada som um campo de terror absoluto. Dentro dessa dinâmica surge também Oliver (Jonah Wren Phillips), já presente na casa quando os irmãos chegam. Enigmático, ele parece viver em estado de transe, como se estivesse entre a obediência e a possessão, um corpo que respira mas não parece ter vontade própria. Sua presença estranha funciona como um aviso silencioso do que está por vir, ampliando o clima de desconfiança e impotência que paira sobre a história. No fim, são justamente os olhos assustados de Andy, a escuta tensa de Piper e o vazio perturbador de Oliver que nos mantêm vibrando com o filme, lembrando ao público que o verdadeiro horror é testemunhar a corrupção daquilo que deveria ser lar.
Visualmente, os Philippou mostram amadurecimento em relação ao filme anterior. Se em Fale Comigo questões como o ritmo e a energia jovem ditavam a cadência, aqui há mais silêncio, mais paciência, mais coragem de deixar o horror se instalar devagar, sem pressa de explodir e sem a necessidade de tanto didatismo. Mas, não é só no olhar, luz e som são trabalhados juntamente como uma arma de tortura e, convenhamos que os diretores souberam bem usar essa arma. Há cenas em que a imagem já é difícil de encarar, mas mesmo virando o rosto não há como escapar, porque o som continua ali, insistente, como um mastigar de faca enquanto os dentes se despedaçam dentro da cabeça do espectador. É uma agonia que gruda, que prolonga a cena mesmo quando ela já terminou, fazendo de Faça Ela Voltar um pesadelo que se arrasta, que devora sem pressa, que vai e volta na mesma noite, como o luto que nunca cessa. Eu não sou de virar ou tapar os olhos nesse tipo de cena, mas aqui, tudo me pegou de jeito e foi inevitável, como se o filme tivesse me empurrado para dentro dele e me obrigado a ouvir, a sentir, mesmo contra a vontade.
O ocultismo aparece quase como uma camuflagem, um véu que cobre a verdadeira ferida, e que, assim como chega, também vai, deixando o espectador com um estranhamento incômodo. Para alguns, pode soar como mais uma narrativa de rituais e forças obscuras, mas o que permanece, na verdade, é a sensação de que o sobrenatural só existe para dar forma ao que não pode ser nomeado. O público pode tanto se sentir enganado como também sair acreditando que viu um filme sobre entidades e ritos proibidos, mas, por baixo dessa superfície, o que Bring Her Back encena é a dor humana em estado cru.
Não é um filme sobre ocultismo, mas sobre como a perda pode devorar a alma, deixando apenas o vazio. É um terror sobre a maternidade em ruínas, sobre a dor que transforma amor em violência. E talvez seja esse o gesto mais cruel e potente dos Philippou: nos obrigar a olhar para esse horror não como um capricho sobrenatural, mas como a face sombria de algo profundamente humano.
Eu teria comprado melhor a ideia de que não é um filme sobre ocultismo se não fosse por ollie mudar tanto sempre que sai do círculo. Podia ser algo psicológico de ollie manipulado por alguma crença de Laura, podia ter sido um grande plot Twist não existir ocultismo nenhum, mas no fim foi uma coisa meio em cima do muro.
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