Amores em Trânsito no 5° dia do Cine PE

Se fosse pra definir o filme de Bruno Costa, Nem Toda História de Amor Acaba em Morte em uma palavra, seria: naturalidade. É o tipo de filme que já começa grande só pelo tanto de inclusão que envolve, seja atrás ou à frente das câmeras. E aí a história vai se desenrolando até se acomodar por completo em algum canto do coração. Um romance entre duas mulheres, uma delas mãe surda e negra, que não transforma identidade em drama nem amor em espetáculo. A outra, uma mulher branca de 50 anos, recém-separada, tentando se realocar no mundo. No meio delas, o ex-marido: um homem que ainda é tratado pela própria mãe como uma criança, perdido em meio a um passado que não sabe deixar ir.

O título já entrega que estamos falando de recomeços, mas é o caminho até essa constatação que mexe com a gente. São pessoas lidando com a bagunça que é amar depois de já ter amado outra pessoa, tentando construir algo novo no meio do que restou. E talvez o que mais me tocou foi lembrar que nem todo amor precisa morrer de forma trágica para dar lugar a outro. Às vezes ele só muda de forma, vira cuidado, ou uma lembrança sem dor. E é bonito quando um filme entende isso sem precisar explicar demais. Ele só mostra. E a gente sente.

Nessa mesma chave emocional, o curta Depois do Fim (SP), de Pedro Maciel, encontra um ponto de eco. Em seus 19 minutos, ele se debruça sobre um reencontro que poderia ser banal, uma carona entre ex-namorados vai se revelando em um caminho cheio de camadas sutis. Ana e Théo não estão mais juntos, mas há ali um vínculo residual, feito de silêncios, de palavras não ditas, de hipóteses sobre o que poderia ter sido. Assim como no longa, também estamos diante de pessoas que já se amaram e agora tentam entender o que sobra depois que o amor muda. Talvez nem sempre sobre algo. Talvez sobre só o suficiente para um último gesto de carinho, ou para uma conversa que fecha o que antes ficou suspenso.

Amores em trânsito é exatamente onde esses dois filmes se encontram, nesse entre-lugar em que o afeto não termina, apenas muda de forma, se ajusta, encontra novos jeitos de existir. Seja no reencontro que vira uma última DR dentro do carro, ou na convivência delicada entre Sol, Lola e Miguel, o que vemos são relações em movimento, sem necessidade de rótulos, como a própria Sol diz ao ex-marido, quase como quem lembra: o amor não precisa caber numa definição. Não há finais fechados, nem grandes respostas, só a beleza de observar como o amor persiste, mesmo quando já não é mais o mesmo. Porque às vezes amar é isso: atravessar o que sobrou, aceitar o que já não é, e no caminho descobrir o que ainda pode ser. Achei bonito, também, como esses dois filmes encerram a mostra competitiva falando de amor, num diálogo sutil com os filmes do primeiro dia, que também tocaram nesse sentimento. Um ciclo que começa e termina com o coração.

A noite ainda contou com dois curtas de tons bem diferentes, mas igualmente potentes. #Partiu, da jovem pernambucana Isis Gomes, em apenas três minutos de animação, condensa uma crítica afiada à brutalidade do presente, um comentário ácido e sensível sobre a nossa existência em tempos de intolerância e crueldade. Já Tu Oro, vindo do Amapá e com direção de Rodrigo Aquiles, nos leva ao século 19, mergulhando numa parte pouco lembrada da história do estado, marcada por disputas coloniais e ganância. A jornada de Joaquim, homem preto forçado a guiar um invasor francês pela floresta, se transforma em resistência e astúcia em um embate silencioso que concentra conhecimento ancestral e violência colonial. Ambos, à sua maneira, ampliam o escopo da noite e lembram que, além dos afetos íntimos, também seguimos em trânsito político, histórico e existencial.


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