Nosferatu (2024)

Uma homenagem estética que carece de ousadia narrativa 

O novo Nosferatu, dirigido por Robert Eggers, é um banquete visual que presta reverência ao clássico expressionista de 1922. Com uma direção de arte impecável e uma fotografia que transforma sombras em personagens, o diretor recria a atmosfera gótica e nostálgica que definiu o filme de F. W. Murnau. Cada quadro parece meticulosamente composto, evocando um terror mais sugerido do que explícito, onde luz e escuridão dançam em um balé macabro. Contudo, sob essa superfície deslumbrante, a narrativa pouco se arrisca, permanecendo fiel ao material original sem explorar novas dimensões ou interpretações. E aí está a questão, isso pode tanto agradar, quanto desagradar. A mim desagradou, haja visto que Eggers é um nome que carrega a expectativa de inovação e profundidade psicológica em suas obras. Filmes como A Bruxa e O Farol mostraram sua habilidade em reinterpretar gêneros clássicos com uma abordagem única, cheia de simbolismo e camadas de significado. 

Entretanto, em Nosferatu, essa ousadia parece diluída, dando lugar a uma  prolixidade narrativa e uma reverência excessiva ao original que, embora visualmente hipnotizante, carece da assinatura disruptiva que tornou Eggers uma figura tão celebrada no cinema contemporâneo. O resultado é um filme belíssimo, mas que, em última análise, soa como uma oportunidade perdida de renovar o mito do vampiro com uma visão verdadeiramente singular.

A força do filme está na sua imersão visual. A textura dos cenários, a composição das cenas e o uso magistral da luz, mas principalmente das sombras, fazem do espaço um personagem opressor e vivo. Eggers demonstra mais uma vez sua habilidade técnica ao criar um universo que exala a aura do cinema expressionista, mas com a precisão da tecnologia moderna. Cada detalhe, das sombras às formas geométricas, é cuidadosamente desenhado para reforçar o horror atmosférico e psicológico proposto. No entanto, essa fidelidade estética parece limitar o filme a uma função contemplativa. A obra encanta os olhos, mas não desafia a mente, funcionando mais como um tributo reverencial do que como uma reinvenção do mito de Nosferatu.  

Essa narrativa, embora sólida, não ousa subverter expectativas ou explorar as possibilidades contemporâneas de um símbolo tão rico quanto o vampiro. Diferentemente de O Farol, onde Eggers trouxe uma abordagem experimental e psicológica, aqui ele opta por uma estrutura tradicional - e até cômoda - que respeita os elementos clássicos, mas que não questiona, enriquece ou atualiza o mito. Isso cria uma sensação de déjà vu, especialmente para um público já familiarizado com as inúmeras releituras da história de Drácula. O resultado é uma obra que, embora impecável em sua execução técnica, perde a chance de oferecer algo novo e relevante para os tempos atuais. Saí da sala de cinema com a sensação de ter visto chato, insipido, desprovido de alma, monótono. 

No centro da narrativa, a figura de Nosferatu é uma conquista estética inegável, ainda que alguns detalhes tenham me causado certo incômodo, como o jogo de esconde-esconde excessivo e o sotaque de Bill Skarsgård, intérprete do Conde Orlok. Sua performance é competente, mas limitada pela ênfase quase exclusiva na caracterização visual e na direção estética do personagem. Isso cria a sensação de que o papel poderia ter sido preenchido por outro ator com resultados semelhantes, uma vez que a maquiagem, o design e a atmosfera suprimem as nuances que poderiam vir de uma interpretação mais emocional. A caracterização grotesca e hipnotizante reflete com maestria a monstruosidade que define o personagem desde sua criação, transformando-o em uma presença perturbadora. Cada movimento do vampiro parece uma extensão das sombras que o cercam, contribuindo para a atmosfera de horror que permeia a obra. Ainda assim, essa exuberância iconográfica, por vezes, sufoca a atuação por trás da maquiagem e do design. O vampiro, embora fascinante como símbolo e imagem, carece de profundidade emocional ou nuances que o elevem além de um arquétipo tradicional

Nosferatu de Eggers é uma obra de contemplação sensorial, um exercício técnico e estético que homenageia as raízes do terror gótico e do expressionismo alemão. Para alguns, isso é suficiente. Contudo, essa abordagem reverencial deixa a sensação de uma oportunidade perdida. Para uma história tão revisitada, esperava-se uma ousadia narrativa que reimaginasse o mito e dialogasse com as inquietações do público contemporâneo. O filme até ensaia problematizar questões de gênero, como a demonização do desejo e do tesão feminino vivido por Ellen Hutter, personagem de Lily-Rose Depp, mas essas ideias não são desenvolvidas de forma significativa, limitando seu impacto na história.

Por fim, é um filme que funciona como uma pintura em movimento, mas sua essência narrativa escapa entre os dedos, como as sombras que o definem.



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