"No ano 2000, atropelar e fugir não é mais um crime. É o ESPORTE NACIONAL”.
Essa é a frase do slogan de Corrida da Morte: Ano 2000, uma ficção científica de 1975 ambientado em um futuro distópico sobre o que supostamente seriam os anos 2000. Bom, como quase todo sci-fi que imaginava o que seria o novo milênio, muita coisa ficou só na ficção mesmo e, embora tenhamos casos reais que lembram muito o que acontece no filme, isso ainda não virou esporte legalizado. O filme retrata uma competição brutal de corrida de carros que ocorre anualmente conhecida como "Death Race" e envolve competidores que ganham pontos não apenas por sua velocidade, mas também por atropelar pedestres.
Dirigido por Paul Bartel, produzido por Roger Corman, estrelado por David Carradine e Sylvester Stallone, a trama se passa em um futuro onde o governo totalitário dos Estados Unidos usa a corrida como uma forma de entretenimento e controle social, tipo o pão circo romano, desviando a atenção pública dos problemas políticos e sociais. A corrida atravessa o país, e cada competidor tem seu estilo de pilotagem e seu próprio veículo temático que são verdadeiras armas, como em um dos carros que usa uma super espada acoplada no capô para matar pedestres.
Carradine é Frankenstein, o piloto lendário, super campeão, conhecido por seu traje bizarro e pelo uso de uma máscara que justifica para esconder as várias sequelas e marcas de inúmeras cirurgias por ter sobrevivido a vários acidentes praticamente mortais. Tô falando, ele é uma lenda mesmo. Outro personagem é Machine Gun Joe, vivido por Stallone. Ele é um motorista super violento e agressivo, não que os outros não sejam, mas Joe ultrapassa o limite do que seria o bom senso para essas pessoas. Já chega na apresentação empunhando uma metralhadora e não se furta em atropelar seu próprio mecânico, além de bater na companheira. Ele é o principal rival de Frankenstein. Existem outros corredores e cada um deles tem um ou uma ajudante co-piloto que, igual a seus parceiros, enfrentam uma série de armadilhas e desafios plantados pelo grupo chamado de Resistência.
Durante a competição, os corredores precisam matar transeuntes para ganhar pontos e cada categoria de pedestre tem uma pontuação diferente que vale para mais ou para menos. Em uma era marcada por violências, desesperança e falta de sensibilidade, corpos são assassinados sem nenhum tipo de sentimento, apenas existem como moedas que serão coletadas. A década de 70 nos EUA foi marcada por grandes mudanças, turbulências e eventos significativos tanto na política, quanto na economia e na cultura do país. A presidência de Nixon e o escândalo de Watergate revelou uma faceta daquele lugar que acabou chocando não só a população local, mas todo o mundo. A economia vivia uma incerteza por conta do petróleo, a sociedade vivia a efervescência de lutas sociais como os direitos civis e os movimentos feminista e LGBTs, tudo isso acontecendo e culminando com o estouro da Guerra do Vietnã em 1975, contribuíram para gerar uma desilusão e um ceticismo generalizado.
Roger Corman é conhecido por trabalhar com orçamentos extremamente limitados, frequentemente reciclando cenários, figurinos e até cenas de outros filmes. Essa condição incentivou a criatividade e a inovação, resultando em filmes que costumeiramente superaram as expectativas, dadas as restrições financeiras. Uma das características mais marcantes de Corman é sua rapidez na produção de filmes. Ele é famoso por conseguir filmar longas-metragens em períodos incrivelmente curtos, às vezes em apenas alguns dias. Além disso, muitos dos seus filmes contêm elementos de sátira e crítica social disfarçados sob camadas de ação, horror ou ficção científica, também explorando temas como violência, corrupção e hipocrisia social. Ou seja, o cara perfeito para estar por trás da produção de Corrida da Morte Ano 2000, um filme carregado de violência, bem como seu humor ácido e seu estilo camp, abraçando o exagero, a paródia, o absurdo e a artificialidade. O filme está pouco se importando em agradar , tanto é que competidores nazistas são tratados com normalidade e até certo respeito pela imprensa que cobre o evento. Em contrapartida há também o carro que mescla uma bandeira estadunidense com a russa comunista. Ou seja, tá tudo normal. Até a falta de certa diversidade racial não se encontra entre o elenco, essa é até uma questão a ser discutida de como pessoas não brancas são inexistentes em determinadas distopias, mas aí já estou tergiversando demais.
O curioso é que esse filme, a partir de sua estética e temática, acabou influenciando tantos outros filmes que dialogam com essa abordagem como O Sobrevivente, filme de 1987 baseado na obra de Stephen King com Arnold Schwarzenegger no elenco e que tem a premissa parecida de uma corrida mortal sendo transmitida pela TV. Ou o Battle Royale (2000) que também mostra uma forçada competição mortal, só que aqui, entre estudantes. Os exemplos são inúmeros, inclusive do próprio Paul Bartel que em 1976, um ano após Death Race 2000, fez Cannonball - A Corrida do Século e que bebe quase da mesma fonte de seu filme anterior. Ou seja, Corrida da Morte é um exemplo clássico de como filmes de baixo orçamento podem influenciar a cultura e gerar discussões sobre temas mais amplos, como a violência na mídia e a desumanização na sociedade, independente do conceito binário bom ou ruim. Seu impacto ficou evidente nas várias adaptações subsequentes, incluindo Death Race (2008) estrelado por Jason Statham e homenagens em outros filmes e mídias.
A história ainda envolve algumas tramas paralelas como o grupo de rebeldes que não concorda com o regime totalitário e querem se vingar, não só do presidente, como dos competidores, plantando algumas armadilhas pelo caminho e fazendo os carros explodirem. Se quiser se divertir, é abraçar o absurdo, preparar a suspensão da realidade e aproveitar o que o filme oferece de melhor: a insanidade.
Visto no cinema da fundação em uma edição da especial sessão À Meia-Noite te Levarei ao Cinema, um programa mensal que não só resgata grandes clássicos cults do cinema de gênero, como reaviva também essa vontade do cinéfilo recifense de voltar a frequentar o cinema tradicional de rua em um horário nada comercial. Uma iniciativa ótima e que aplaudo de pé. A iniciativa estreou em abril com exibição de El Topo do Alejandro Jodorowsky e que eu fui, teve também After (2023) do diretor Anthony Lapia, e o japonês Ichi, O Assassino (2001) de Takashi Miike. Já ansiosa para saber o próximo!! Vida longa ao projeto e ao cinema de gênero!
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