O Exorcista: O Devoto (2023)

Esses dias antes da sessão da cabine do novo filme de David Gordon Green, reassisti O Exorcista de Friedkin. Um clássico indiscutível que quebrou paradigmas do cinema de possessão e exorcismo. Isso não tem nem o que negar. Confesso que é um filme que não me impressiona muito quanto às suas decisões ou forma, mas que na revisão, cresceu. No entanto, a coisa que mais me incomodou quando vi a primeira vez, que continuou me incomodando nas revisões e continua me incomodando hoje, é o final e como o arco da investigação policial é meia-boca. O final do filme de 1973 parece ter incomodado também o autor do livro que deu origem ao filme, William Peter Blatty e também Gordon Green, só que cada um tem seus motivos para odiar, desgostar ou não concordar. Ok. E aí você se pergunta, para além de tudo que já sabemos e que está dentro dos meandros do capitalismo e da marca O Exorcista, para quê e qual o sentido de um novo filme 50 anos depois do original?

Segundo entrevistas, Gordon Green desgosta de como só um dos lados venceu, e aí ele faz o quê? Faz um filme com um desfecho que, segundo ele, é o mais justo. Ele parece aqueles cinéfilos birrentos que criam um filme na cabeça e aí quando suas expectativas não são atendidas, ele vai e tenta fazer melhor. Tenta, né...e assim ele segue destruindo franquias clássicas de terror. Eu não queria colocar esse ultimo paragrafo aqui, mas eu estou muito P da vida com o que vi. Não que botasse muita fé no homem, até porque não desgosto totalmente do que ele fez com o reboot da franquia Halloween e, pasmem, nutro até uma simpatia pelo Halloween Ends (2022), mas, em O Exorcista: O Devoto, ele conseguiu ganhar o ódio geral dos fãs do gênero. Enfim...mas o filme não é de todo tão ruim, uma coisa aqui, outra acolá se salvam, só que ele precisava ser mais que isso.

O Devoto, se concentra em Victor (Leslie Odom Jr.) e sua família, em um inicio promissor, mostra ele e sua esposa Sorenne,grávida, já quase prestes a dar a luz, de férias no Haiti. Ela vai em umja cerimônia Vodu e recebe proteção para o bebê em um ritual. Acontece um terremoto e Sorenne está no prédio que sofre desabamentos, ficando muito machucada. Mesmo assim ela consegue ser socorrida, mas, com ferimentos graves, os médicos informam a Victor que ele tem que fazer uma escolha: salvar a mãe ou o bebê. O tempo passa e Victor, agora viúvo, cuida sozinho de Angela (Lidya Jewett), a filha do casal que está com 13 anos. Visivelmente ela sofre ainda com os traumas de seu nascimento trágico, então resolve pegar objetos de sua mãe que estavam escondidos em uma caixa para realizar um tipo de sessão espírita junto com sua amiga da escola, Katherine (Olivia O'Neill). Elas entram na floresta e se perdem, só sendo achadas após três dias. As duas voltam com uma noção de tempo que não condiz com a realidade, elas acham que só ficaram fora por algumas horas.

Após uma bateria de exames que evoca de uma maneira anticlimática a bateria de exames que Regan passa no original, as duas garotas começam a agir de forma estranha e agressiva, bem diferente do que eram. É a partir daí que a crescente de terror vai tomando conta. Enquanto de um lado temos Victor, um pai cuidadoso, extremamente conectado com a filha e cético, do outro temos os pais de Katherine que são da Batista e vão à igreja com frequência, mas a integração familiar é problemática. Junto a esses, temos ainda a presença da vizinha de Angela e Victor, Paula, uma enfermeira que já foi quase freira e esconde alguns segredos sendo interpretada por Ann Dowd. Há também um amigo de Victor que é evangélico e conhece uma sacerdotisa Vodu. Eles vão ser mais para frente personagens fundamentais nessa pataquada.

Se O Exorcista de cinquenta anos atrás trabalhava o binário bem vs mal, fé vs dúvida, ciência vs religião, culpa vs redenção, aqui, em O Devoto, David Green evoca mais uma vez a vulnerabilidade do trauma como porta de entrada para algo do mal, No original o demônio que botou medo e quebrou toda uma comunidade foi o Pazuzu, já em 2023, o diretor quis renovar com uma nova entidade chamada Lamasthu, que ataca preferencialmente crianças e mulheres principalmente na hora do parto e assim como Pazuzu, tem origem mesopotâmica, mas que está mais preparada para enfrentar rituais de exorcismos. Só que o ceticismo de Victor não quer acreditar que sua filha sofre influência do sobrenatural, mas quando todo tratamento psiquiátrico falha, é quando Paula, sua vizinha, lhe mostra algo que o faz buscar ajuda no passado e em outras soluções que convergem para o exorcismo. 

Nessa hora todo mundo se envolve e o que antes era centrado em dilemas e rituais católicos, hoje o ecumênico toma conta. Representantes do pentecostal, da Batista, do Vodu, um cético e um padre que dá para trás do exorcismo, mas libera o seu livro de ritual romano para a ex-freira Paula. O evangélico evoca a legitimidade de todas as religiões em prol de combater o exorcismo. Distante dali, mas de alguma forma ligada às duas garotas e ao grupo religioso misto, está Ellen Burstyn, ou Chris MacNeil, mãe de Regan e aquela que passou a vida se especializando em possessões e exorcismos.

O filme é o famoso "poderia ter sido, mas não foi". Poderia ter sido assustador com duas meninas possuídas, poderia ter sido mais aprofundado, mas opta pela superficialidade, poderia ter sido revigorante ao largar de mão do cristianismo e abraçar o Vodu ou outras religiões ancestrais, mas não passa de uma caricatura mal feita, poderia ter sido um renascimento da franquia, mas não passa de algo insosso, risível e vergonhoso. Até gosto de toda a conexão entre Victor e Angela, porém, que pena que mal aproveitada. Outra coisa que não me fez odiar por completo o filme, foi a decisão de Gordon Green em tentar implantar na gente e nos pais, a decisão de quem vai se salvar ou quem vai vencer no fim: se o bem ou o mal. Talvez seja esse agridoce o único aspecto relevante e válido em O Devoto. Ah, não, calma! Quero exaltar aqui rapidamente Leslie Odom Jr. que é também deveras relevante com sua atuação sincera e que transmite muitas vezes o papel de um pai dolorido e banhado no luto, porém forte e reservado em suas duvidas e certezas. 

Retornando à pergunta inicial, pode-se argumentar que a maneira mais respeitosa e apropriada de comemorar os 50 anos de O Exorcista talvez teria sido preservar o filme intocado. E aí pego carona em uma das falas de Chris MacNeil quando ela diz: "Existem muitas forças obscuras neste mundo, nem todas elas são sobrenaturais". Por exemplo, que tipo de força exerce sobre o David Gordon Green a vontade de dirigir franquias já estabelecidas e destrui-las? Fica aí o questionamento.

E para quem quiser e tiver coragem de conferir no cinema, o filme estreia nesta quinta-feira dia 12/10/2023. 






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