A Cura para a Morte em Birth/Rebirth (2023)

É bastante curioso que apenas este ano o terror tenha nos brindado com três filmes (até onde sei) que brincam com o mito do Frankenstein de Mary Shelley. The Angry Black Girl and Her Monster, Eles Clonaram Tyrone e agora Birth/Rebirth. No entanto, não é de hoje que esse tema ronda o cinema, além das adaptações e versões oficiais e oficialescas do Prometheus Moderno, o cinema de gênero nos brindou com algumas obras que funcionam também como um tributo ao mito. Como Re-Animator (1985), The Rocky Horror Picture Show (1974), May - Obsessão Assassina (2002), entre tantos outros. Todos com o único objetivo em comum de driblar a morte, mesmo que cada um mergulhe em temas e abordagens diferentes, o desejo de descobrir uma cura para a morte ou a reconstrução de um corpo através de experimentos científicos dos mais fantasiosos aos mais realistas e feministas, como é o caso do filme dirigido por Laura Moss e escrito por ela com colaboração de Brendan J. O'Brian. Aqui, muitas das experiências corporais também se assemelham aos sensoriais e escatológicos filmes de Cronenberg, como em Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988).

Laura Moss, que já admitiu ser obcecada pelo livro Frankenstein, trabalha nessa adaptação desde os anos 2000. De lá para cá, tanto ela, quanto o texto sofreram consideráveis mudanças. Ela agora se identifica como uma pessoa não binária e de certa forma coloca essa sua experiência no filme, como questões de escolhas femininas, gravidez e a escolha pela não maternidade. Essa maturidade é acrescentada na trama e nela, o tropo de reanimação é impregnado com questões morais e éticas sobre vida e morte, mas com um olhar voltado para feminilidades e para decisões médicas questionáveis. Ambientado praticamente em dois locais, o necrotério do hospital e um pequeno apartamento, o que nos chama atenção nessa trama de tensão psicológica crescente, são as atuações das duas protagonistas, Marin Ireland e Judy Reis, a primeira conhecida já dos fãs de horror por The Dark and the Wicked (2020), The Empty Man (2020) e mais recentemente por The Boogeyman (2023); já Reis, esteve recentemente no papel de uma traficante na série Os Horrores de Dolores Roach e também no filme Sorria (2022).

A trama acompanha a jornada da Dra. Rose Casper (Marin Ireland), uma médica patologista super conceituada, mas que não se conecta muito bem com outras pessoas e não tem tantas habilidades sociais. Ela passa a maior parte de seu tempo no laboratório do hospital onde analisa corpos, só que seu maior interesse em estar imersa nesse ambiente, é na sua pesquisa em descobrir como curar a morte e reanimar cadáveres recentemente falecidos. Ela vai longe para conseguir materiais que possam servir para seu estudo, como extrair esperma de homens que encontra em bares masturbando-os. Ela se auto-engravida e quando o feto chega em determinado estágio, ela se induz medicamente ao aborto. A ação deixa claro que aquela não é a primeira, nem a segunda vez que seu aparelho reprodutor é usado para colher material embrionário. 

Outra personagem central nessa trama é Celie (Judy Reis), uma enfermeira que trabalha no mesmo hospital de Rose, só que na ala da maternidade. Ela é daquelas que ainda acredita em parto humanizado e faz de tudo para que as pacientes tenham um momento tranquilo e seguro na hora de parir. Nesse ponto aqui, a questão sócio racial e de violência obstetrícia, gritam! Um flagelo que não só atinge as mulheres não brancas norte-americanas, mas aqui no Brasil também esse é um flagelo bem presente na saúde publica. Lembrei de um curta de horror que foi lançado esse ano na Netflix sobre esse tema chamado Weathering dirigido pela Megalyn Echikunwoke, que além de abordar a violência do parto, aborda também o mito da mulher negra e forte. 

Bom, voltando...Celie é latina, mãe solo de uma menina de seis anos chamada Lila (AJ Lister), uma criança prodígio que num certo dia acorda não se sentindo muito bem e enquanto a mãe vai trabalhar, a filha fica aos cuidados de uma vizinha. Só que o mal estar de Lila progride muito rápido e ela vem a óbito. É aí que o destino de Celie e Rose se cruzam. Pelas condições de como Lila morreu, ela é levada para a ala de patologia e Rose vê ali o momento perfeito e crucial para o avanço de sua pesquisa. Rose sequestra o corpo da menina, mas Celie consegue rastrear chegando ao apartamento da médica e é lá que vê o milagre, palavra que Rose rapidamente corrige para CIÊNCIA. 

A partir daí a jornada das duas mulheres, cada uma com seu interesse, é procurar meios para manter a menina viva. Custe o que custar. Rose já conseguiu provar em partes seu ponto, ela cria um animal peculiar reanimado em casa. Mas, será que ela consegue provar seu ponto em seres humanos? O interessante nessa sociedade improvável, além de todas as decisões duvidosas e escabrosas que elas tomam, são as discussões em torno da maternidade que elas têm, cada uma com sua vivência, grau de estudo, experiência profissional e traumas de vida. A coisa ainda gira em torno de concepção e sacrifícios humanos em prol da ciência e pesquisa, tudo muito regado a agulhas e furadas. Agulhas de todas as dimensões possíveis, injeções, extração de sangue, fluidos e até alimentação. Em quase toda cena tem uma agulha. Digo isso para já deixar avisado aos sensíveis a esse tipo de cena, como o digníssimo que foi assistir ao filme e desistiu de tanta aflição com essas cenas que vão ficando cada vez mais gores e grotescas. Junto a isso, o roteiro está pouco se importando em julgar as escolhas questionáveis das personagens, isso fica a cargo de cada espectador. Aqui, o filme e a própria diretora, parecem estar mais preocupados na discussão científica em driblar a morte, de como os avanços em experimentos genéticos vem avançando, nas relações parenteais que são construídas de forma não tradicional, de como lidar com a culpa e o luto. Mesmo que seja uma fantasia, a forma como as discussões ocorrem, parecem bem convincentes e o mais louco disso, é que a médica prova por A+B que está no caminho certo. 

Eu gostaria que Birth/Rebirth caísse rapidamente em algum streaming, ou alguma outra forma dele chegar em mais pessoas, acho que além de tudo o que presenciamos em tela, o pós dele é bem desafiador e instigante com todas as discussões e debates que propõe. Uma estreia brilhante de Laura Moss que me deixou bem contente enquanto assistia. Ok, me deixou um pouco incomodada também. E aquele final, nossa, aquele final!!

Temos o mais novo melhor filme de terror do ano? Olha, tomara que sim! 





Trailer legendado de Birth/Rebirth 

Letterboxd Birth/Rebirth

IMDb Birth/Rebirth

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